segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Cores de Almodóvar


Em A Pele que Habito (tal qual, e unicamente, em Carne Trêmula), Almodóvar se apossa de uma narrativa que não é sua (o romance Tarântula, do escritor francês Thierry Jonquet), com o intuito que torne a ser; trata de um tema contemporâneo - a engenharia genética - de interesse premente ao grande público, para discutir se a mudança da forma transformaria a essência do ser. Ao investigar se a forma poderia ser alheia ao conteúdo, o cineasta precisou se “reinventar” ou inventar uma nova versão de Almodóvar. Para atingir esse fim, ausenta-se do colorido habitual, quebrando seu próprio paradigma ao utilizar cores vibrantes apenas em momentos cruciais do filme, com objetivo de aumentar o simbolismo cromático; além disso apresenta outras cores sugestivas, dentre elas as de Ticiano, mestre das atmosferas do corpo, considerado o “pintor dos poderosos”, e imagens monocrômicas de Louise Bourgeois, com suas “mulheres-casa” a simbolizar um cárcere. Fazemos ver que, em Almodóvar, nenhum elemento de cena é gratuito. Os artistas plásticos utilizados no filme não apenas compõem o cenário: aquele serve de modelo para uma cena contemplativa, e esta, sendo imitada pela personagem contemplada, torna-se parte integrante na compreensão do drama exposto. Mesmo que o espectador não conheça o contexto das obras citadas, uma informação posterior ampliaria seu entendimento ao recurso sugestivo, intuído a priori, enquanto assiste ao filme. Arte também é aprendizado, e Almodóvar é mestre em nos ensinar.

Diversos críticos, e o próprio diretor, apontaram a similaridade de A Pele que Habito com outras obras de ficção. Dos filmes de Fritz Lang a Um Corpo que Cai, de Hitchcock, ou Os Olhos sem Rosto, de Georges Franju; da literatura de Mary Shelley, com seu Frankenstein, ao Médico e o Monstro, de Robert Louis Stevenson, todos dariam subsídios para uma análise paralela à trama desse filme de Almodóvar. Em algumas cenas, também percebemos referências à atmosfera de Buñuel, mais especificamente em Ensaio de um Crime, clássico de sua “fase mexicana”, que já lhe havia inspirado Carne Trêmula, segundo afirma no livro Conversas com Almodóvar, de Frederic Strauss. Tais alusões poderiam indicar uma falta de originalidade no roteiro. Principalmente se considerássemos que a célula motriz do drama seria a realização de uma vingança, descoberta apenas no desenlace, como foi utilizado mais recentemente no thriller O Segredo dos Seus Olhos, de Juan José Campanella. Porém, se na obra do cineasta argentino, a passionalidade faz a vingança transformar-se numa dependência ao outro, ou melhor, numa transferência de vidas perdidas, no novo filme do diretor espanhol (que deve ter sido fiel ao romance adaptado), tal sentimento transmuta-se numa paixão pela forma e objeto da punição. E uma trama urdida assim não se vê facilmente. A par disso, não seria válido afirmar que Almodóvar renunciou a um aspecto recorrente na sua filmografia, a paixão, para centrar-se na vingança. O que notamos aqui é uma tensão criativa unindo sentimentos.

Sabemos que esse grande cineasta espanhol é um artista ciente de seu ofício e que, por estar há tempos na pele de Almodóvar, por tudo que já apresentou em sua carreira, encontra-se insensível às cutucadas ou cócegas da crítica. Na elaboração de A Pele que Habito, certamente avaliou as variáveis intrínsecas e extrínsecas para o bem da obra (até mesmo a possível recepção de um público afeito ao colorido marcante e pulsante de suas personagens anteriores). Alguns fãs poderão sentir uma falta estética e, porque não dizer, ética de Almodóvar em seu novo filme. Concordo quando se afirma que a adaptação desse romance policial poderia ser filmada por qualquer cineasta profissional, que soubesse mesclar ficção científica, suspense, terror, com pitadas de melodrama e film noir. E seriam versões diversas da que fez Almodóvar, que não é um cineasta qualquer. Não entro nos méritos sobre sua possível concessão ao gosto hollywoodiano (o próprio trailer do filme, notadamente o direcionado ao mercado americano, aponta nessa linha); também não avalio se sua marca pessoal poderia quebrar algum paradigma sobre tal gosto, tão abominado pelos adeptos do chamado “cinema de autor”. Se por um lado, tal quebra geralmente não é aceita pelo espectador padronizado por Hollywood, por outro, a obra de um artista original, sendo concebida nos moldes hollywoodianos, também pode não ser aceita por quem prefere a padronização do estilo. Sem fazer aqui juízos de valor, aquele está no seu direito de consumir o chamado “blockbuster de ação” e este no seu direito de protestar contra o que entende como desvio de conduta artística. Se o cineasta em questão gostou ou não do resultado, se se reconhece ou não no espelho-tela, só a ele caberia responder. O artista é a sua obra, e o que Almodóvar voltará a ser só nos será revelado em seus próximos trabalhos. Se permanecer na linha recente, será decepcionante a quem não gostou dela; se revisitar suas antigas cores, todos nós que gostamos dele ficaremos satisfeitos; mas se resolver revoltar-se, tornando-se acromático, que se deleite em sua loucura artística. Para o bem da arte, só não deve desaparecer por completo.

Concluo essas impressões sobre A Pele que Habito, de Pedro Almodóvar, parafraseando a bela alegoria do amigo e cineasta Nirton Venâncio, que me instigou a escrever esse texto. Na cena final de A Pele que Habito, a mãe não reconhece o filho Vicente; como, de imediato, também não lhe reconheceu sua colega de trabalho, lésbica, por quem ele tinha atração, mas era desprezado. Tal reconhecimento se dá através do vestido estampado que Vicente, transmutado em Vera, revela num ambiente multicolorido. Para a jovem, a nova forma dele mudará também a forma como passará a vê-lo? Parece que Almodóvar faz essa pergunta através da recognição da sua arte. Observo que não seria trabalho vão usar o enredo desse filme como alegoria para analisar a fundo onde, em A Pele que Habito, Almodóvar permanece. E amplio a figura afirmando que a mãe realmente não fala com ele. Porém há de falar através de nossa própria consciência, instigada a preencher os vazios posteriores da história. O filme termina, mas a obra permanece aberta (como diria Umberto Eco). E posso acrescentar que a arte de Almodóvar também.


* Dedicado ao grande amigo Duarte Dias, cineasta que comigo coloriu o filme Céu Limpo.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Céu Limpo na VII Mostra do Curta Nordestino


O curta metragem Céu Limpo (direção de Marcley de Aquino e Duarte Dias) é um dos filmes exibidos na VII Mostra do Curta Nordestino, promovida pelo FESTNATAL 2011, a se realizar de 06 a 11 de dezembro de 2011, na cidade de Natal/RN.

Saiba mais sobre Céu Limpo no blog da produtora Areal Filmes