domingo, 16 de agosto de 2009

Poesia em fado I


O HOMEM DAS CASTANHAS

Na Praça da Figueira, ou no Jardim da Estrela,
Num fogareiro aceso é que ele arde.
Ao canto do Outono, à esquina do Inverno,
O homem das castanhas é eterno.

Não tem eira nem beira, nem guarida,
E apregoa como um desafio.
É um cartucho pardo a sua vida,
E, se não mata a fome, mata o frio.

Um carro que se empurra, um chapéu esburacado,
No peito uma castanha que não arde.
Tem a chuva nos olhos e tem o ar cansado
O homem que apregoa ao fim da tarde.

Ao pé dum candeeiro acaba o dia,
Voz rouca com o travo da pobreza.
Apregoa pedaços de alegria,
E à noite vai dormir com a tristeza.

Quem quer quentes e boas, quentinhas?
A estalarem cinzentas, na brasa.
Quem quer quentes e boas, quentinhas?
Quem compra leva mais calor p'ra casa.

A mágoa que transporta a miséria ambulante
Passeia na cidade o dia inteiro.
É como se empurrasse o Outono diante;
É como se empurrasse o nevoeiro.

Quem sabe a desventura do seu fado?
Quem olha para o homem das castanhas?
Nunca ninguém pensou que ali ao lado
Ardem no fogareiro dores tamanhas.

Quem quer quentes e boas, quentinhas?
A estalarem cinzentas, na brasa.
Quem quer quentes e boas, quentinhas?
Quem compra leva mais amor p'ra casa.

(1) Música de Paulo de Carvalho & Letra de Ary dos Santos, na interpretação de Carlos do Carmo